Oi gente como estão? Nossa quanto tempo hein?Peço desculpas pela minha ausência, mas estava assoberbada de tarefas criando coisinhas novas. Dê uma passada lá galeria e veja o que andei produzindo, e claro, deixe a sua opinião.
Neste semestre, trabalhei bastante com a gravura em metal e com o pastel seco, minhas duas paixões.
As obras produzidas fazem parte de uma linguagem que venho desenvolvendo, do qual dialogam com a minha temática: dor cotidiana. Vou colocar aqui uma parte de meu trabalho escrito, onde explico isso melhor (veja as imagens da qual me refiro na galeria, ok?).
UNIVERSIDADE
DE BRASÍLIA
Instituto
de Artes
Departamento
de Artes Visuais
Antagonias
Trabalho apresentado como pré-requisito
parcial para conclusão da disciplina Ateliê
II do curso de bacharelado em Artes Plásticas.
Professor:
Dr. Nelson Maravalhas Júnior
Naiara
Medeiros Coelho
2006/92310
Brasília
– DF
Introdução
O presente trabalho é fruto de uma pesquisa, ainda
em desenvolvimento, iniciada em 2010, relacionado ao meu processo imagético e de
desenvolvimento de minha linguagem artística. Desde lá, tenho percebido inúmeras
transformações até alcançar resultado atual. Procurarei, dessa forma, retratar
cada uma destas etapas, assim como apresentar e discutir as obras decorrentes
desta pesquisa.
A “dor”
foi a temática escolhida e que me conduziu a inúmeras descobertas e reflexões. Atribuo
essa escolha por ser um assunto em que domino com autonomia, uma vez que sou
portadora de síndromes dolorosas (fibromialgia e endometriose), de modo que há
dez anos vivencio a dor física cotidianamente.
Entendo a temática, no entanto, como sendo
apenas um “meio” que norteou o caminho do qual deveria conduzir meu processo
imagético. Porém busco para o desenvolvimento de minha linguagem deixar livre a
fruição do público diante da obra. Mas, de que maneira poderia criar essa
ressonância e interesse no público? Como desvendar meu próprio universo? E como
desenvolver minha própria identidade, meus próprios conceitos, que
posteriormente viriam a completar a minha obra? Como desenvolver uma identidade
plástica, uma linguagem?
Eis ai
o desafio que nós, alunos do professor Nelson Maravalhas Júnior, na disciplina
de Ateliê II, tivemos ao longo deste semestre: desenvolver um conjunto de obras na qual esta linguagem artística
pudesse apresentar-se. Dessa forma, as quatro pinturas (pastel a seco) e as
oito calcogravuras citadas ao longo deste trabalho resultam desse processo de
pesquisa.
Um
Universo Se Descortina
“Tomando em sua mão algumas
sobras do mundo, o homem pode inventar um novo mundo que é todo dele. A arte
começa pela transmutação e contínua metamorfose (...)”.
Fascillon
A
busca por uma linguagem ou identidade visual levou-me a muitas reflexões e
descobertas. O primeiro passo foi a aceitação, posteriormente a transmutação, uma
vez que retratar minha própria dor, um universo tão íntimo, ainda que
simbolicamente, não foi tarefa
fácil.
Trata-se de longo processo, pois, até então, havia resistido adotá-la como temática.
Alguns especialistas, como Fleming (2003), relatam
que a dor física acarreta conjuntamente a dor emocional; esta, sob minha ótica,
é ainda mais difícil de transpor criativamente.
A dor não se deixa
aprisionar no corpo, implica o homem em sua totalidade, sendo um fato existencial,
além de fisiológico (...) Esta pressupõe organizações psíquicas internas e
modalidades específicas de lidar com a dor, que pode ir da capacidade de
contê-la mentalmente, de elaborá-la, a necessidade de expulsá-la, de negá-la,
de desprezá-la. É uma experiência ao mesmo tempo universal e singular.
Possivelmente isso
explique o fato de eu ter preferido mantê-la inviolável, por um longo período,
durante minha vida acadêmica. No final do ano de 2010, contudo, ao iniciar a
disciplina de Ateliê I, o professor Nelson Maravalhas deparou-se com meus
trabalhos. Algumas gravuras em metal, cuja temática julgo hoje superficial,
retratavam temas como a cultura gaúcha e bailarinas, além de muitos esboços
para ilustrações infantis, assunto que até então me ocupava (desde a disciplina
de Projeto Interdisciplinar). No entanto, ainda neste período, aconselhada pela
professora Luisa Günther, passei a adotar o diário de artista, para anotações e
esboços.
Nesses
diários foram surgindo alguns escritos, lampejos de ideias daquilo que viria a ser
o meu tema atual: a dor. Observando
isso, o professor Nelson Maravalhas, na disciplina de Ateliê I, do qual apenas cursei
algumas aulas em 2010, sugeriu-me que fizesse o seguinte exercício: sentar-me
empunhando um lápis e papel a fim de “deixar vir” as imagens do meu inconsciente,
tal como uma criança o faz, ou seja, descompromissadamente. Infelizmente, em
tal ocasião, necessitei trancar o semestre, devido aos problemas de saúde já
citados.
Não
tenho dúvidas, contudo, de que este período de recolhimento foi de extrema
importância para meu amadurecimento artístico. Uma vez que me encontrava em pleno
contato com a dor física e psicológica, enquanto estive hospitalizada, procurei
fazer diariamente tal exercício, como sugerido pelo professor. Para minha
surpresa, imagens surpreendentes começaram a surgir. Eram imagens do meu
interior, algumas também continham escritos que as complementavam. Durante o
período de convalescência, dediquei-me a amadurecer e investigar todo este
universo mergulhando em meu próprio processo imagético, exercitando a prática
do desenho.
Freud (1915, apud PASTORES, 2009) afirma em sua obra O Inconsciente que podemos perceber, com certa facilidade, as
nossas emoções, mas que possuímos sentimentos a respeito que nada, ou pouco,
conhecemos. Num registro estético, podemos entrar em êxtase diante de uma obra,
quer seja um filme, uma música, um quadro, um romance, uma conversa, tomados
por uma emoção estética, porém o sentimento estético só emergirá após um
processo de elaboração acerca do significado de uma dada obra para cada
observador.
Possivelmente é
por isso que tenha necessitado desse tempo de reflexão e amadurecimento, para
só então perceber que as minhas experiências com o corpo, com a dor e com todas
as sensações por ela ocasionadas poderiam ser fonte inesgotável à minha
criação.
Da
mesma forma que Freud, Rilke (1980, p. 82, apud SALLES, 1998, p. 84) também fala sobre a importância desse tempo no
amadurecimento do artista: “deixar amadurecer inteiramente [...] só isto é
viver artisticamente na compreensão e na criação. O tempo não serve de medida-ser
artista não significa calcular e contar, mas sim amadurecer. Como árvore que
não apressa a sua seiva. Aprendo diariamente: a paciência é tudo”.
Ao
perceber que muitas destas imagens que começavam a surgir traziam à tona a
minha dor física, porém, de maneira onírica,
simbólica e, até mesmo, fantástica, constatei que não só tinha alcançado o objetivo
do exercício proposto pelo professor (“destravar” a imaginação e fazer emergir o
que havia em meu inconsciente), mas, também, foi como se naquele momento eu me
apropriasse de minha própria identidade artística que viria a desenvolver-se.
Encontrei, assim, a minha
temática, ou seja, o caminho pelo qual deveria seguir, para desenvolver a minha
linguagem. Pois, enquanto estivera desenhando bailarinas, gaúchos e ilustrações
infantis, era como se eu estivesse desenhando o meu exterior (Figuras 1 e 2). A
partir desse encontro com a minha identidade, tornei-me apta para a busca de
uma linguagem mais intimista e amadurecida.
Duplicidades e “Antagonias” – O
Tema
“Ao
artista resta ver se está no interior da obra, fazendo-a de dentro para fora,
conferindo se nela está registrada a força que pretendeu calcar. Dai a obra
conter em si a tenacidade e o abandono.”
Maria do Céu Oliveira
Convencida de que o
artista precisa se colocar verdadeiramente, na sua obra, estou certa de que não
havia nada mais autoral do que a dor. No entanto, tratar dessa temática não
seria tarefa das mais fáceis. É preciso muita cautela para abordá-la, pois
entendo que existe uma linha muito tênue entre aquilo que pode ser considerado Arte,
para mim, daquilo que poderia ser interpretado pelo público como Arte-Terapia.
Além disso, tenho experimentado, ao longo destes
dez anos, que a dor é tratada de maneira muito ambígua pelas pessoas, de modo
geral. Não apenas pelo próprio paciente, mas, também, pelas pessoas que estão
no seu círculo de convivência. Ousaria dizer que a dor não é facilmente
entendível. Mas, foi justamente estas duplicidades, que chamarei aqui de “antagonias”,
que me encorajaram a pesquisar o tema, usando-o como guia para o
desenvolvimento da minha linguagem artística. E é exatamente isso que pretendo
demonstrar em minha obra.
Busco com esta escolha criticar não só o
peso que as aparências podem ter nas vidas das pessoas, mas, igualmente, os
julgamentos pré-concebidos que, infelizmente, ainda existem sobre o outro. Neste
conjunto de obras, portanto, busco retratar a minha percepção de mundo, ainda
que de maneira simbólica, no que tange ao pré-conceito e à incompreensão por
parte da sociedade, em relação às pessoas que convivem com a dor crônica.
Penso que tais atitudes ocorrem não só devido
à falta de informação em relação a tais enfermidades, mas, ainda, por conta do hábito
cultural – ou, mesmo, da própria natureza humana – de julgar ou estigmatizar
pessoas levando-se em conta características de cunho estético-visual, como, por
exemplo, beleza/feiura, juventude/velhice, magreza/obesidade,
normalidade/loucura. Ou seja, trata-se de um hábito comum ao homem: levar-se em
conta apenas o exterior das pessoas.
Diante disso, cabe o questionamento: quem
é capaz de “ver” a dor?
Muitas vezes, nos casos de pacientes com
dor crônica, não há nenhum indício físico ou lesão que a indique, como no caso
da fibromialgia, cujo difícil diagnóstico se dá por meio de exclusão, ou seja,
após o descarte de todas as outras possíveis doenças.
A presença de 11
dos 18 pontos [de dor] padronizados tem valor para fins de classificação,
entretanto, de acordo com Smythe, Buskila e Gladman (1991), em casos
individuais, pacientes com menos de 11 pontos dolorosos poderiam ser
considerados fibromiálgicos desde que outros sintomas e sinais sugestivos
estivessem presentes. Outros achados do exame físico incluem o espasmo muscular
localizado, referidos como nódulos, a sensibilidade cutânea ao pregueamento
(alodínia) ou dermografismo, após compressão local. A sensibilidade ao frio
também pode estar presente e manifestar-se como "cutis marmorata" em
especial nos membros inferiores (WOLFE et al., 1990). Os exames laboratoriais e
o estudo radiológico são normais e, mesmo quando alterados, não excluem o
diagnóstico de fibromialgia, uma vez que esta pode ocorrer em associação a
artropatias inflamatórias, a síndromes cervicais ou lombares, a colagenoses
sistêmicas, à síndrome de Lyme e a tireoidopatias (WOLFE et al., 1990). Cerca
de 10% dos pacientes apresentam positividade do FAN em baixos títulos
(Goldenberg, 1989).” (FIBROMIALGIA – APSEN FARMACÊUTICA, 2012).
Cabe aqui também relatar o que Fleming (2003),
psiquiatra
da Sociedade Portuguesa de Psicanálise, assinala. Ela diz que a dor é um dado
fundador na espécie humana e está ligada à cultura, à arte, à religião e a
todas as outras formas de simbolização para transformar as vivências humanas
geradoras de sofrimento de modo a lhes dar sentido. A função biológica da
dor é a proteção contra a automutilação, defensiva e útil, mas, em certos casos,
é a doença em si, exigindo alivio e tratamento.
A partir de todas estas informações é
possível supor quantas situações antagônicas e dúplices o paciente com dor
crônica tem de ser capaz de vivenciar. Isso pode ser constatado desde a fase
inicial, com a complexa busca pelo diagnóstico, passando pela sua própria
aceitação e, posteriormente, mas não menos importante, as dificuldades decorrentes
nos relacionamentos sociais do paciente.
Em vista disso, torna-se evidente
perceber que estes pacientes terão dificuldades de inserção na sociedade, de um
modo geral, considerando que a enfermidade não tem cura, de forma que haverá
necessidade de aprender a executar as atividades cotidianas mesmo com a dor
constante.
O maior entrave dos portadores de
fibromialgia não é a dor, mas o preconceito, pois, trata-se de um sujeito que
foge aos “padrões de normalidade”. Afinal, para nossa sociedade é quase
inconcebível supor que um indivíduo belo, aparentando juventude e vitalidade,
possa estar sentindo dores atrozes em seu corpo. E, ainda, como seria possível
este mesmo indivíduo executar suas tarefas rotineiras sentindo tais dores,
quase ininterruptamente, sem, no entanto deixar de fazê-las?
Mais uma vez Fleming (2003) nos esclarece
dizendo que a atitude
em face da dor e os comportamentos de resposta variam conforme a condição
social e cultural, conforme a historia de vida e a personalidade de cada
indivíduo. Esta pressupõe organizações psíquicas internas e modalidades específicas
de lidar com a dor, que pode ir da capacidade de contê-la mentalmente, de elaborá-la, da
necessidade de expulsá-la, de negá-la, de desprezá-la. É uma experiência ao
mesmo tempo universal e singular.
Acrescento ainda que tais atitudes advêm de ambos
os lados: tanto por parte de quem sente a dor, quanto por parte de quem convive
com este indivíduo. Cabe
ressaltar que estas circunstâncias estão embasadas, não apenas na literatura médica,
mas sob a óptica de quem vivencia estas experiências, antagônicas, dúplices e
complexas.
Em vista disso, adotei o tema “dor”, como
forma de nortear o meu processo criador. Já que estou convencida de ser esta
uma fonte inesgotável a ser explorada, tendo em vista o longo período de experiências
e reflexões quanto ao assunto. Podemos observar essa
temática em alguns artistas dentro da História da Arte. Cabe aqui ressaltar
que, obviamente, cada artista abordou o tema de acordo com sua própria
linguagem e visão de mundo individuais, que não necessariamente compactuo, como
Frida Khallo, Nazareth Pacheco, van Gogh, Aleijadinho, Renoir, Goya.
O Processo Criador
“(...) Este reconhecimento dos
interesses está associado ao desejo de se construir um imaginário, pois é do
artista a escolha de quais percepções que passam a se adequar ao seu
vocabulário plástico.”
Maria do Céu Oliveira
Tal como Maria do Céu, Vygotsky (1987, apud SALLES, 1998) também afirma que a
experiência é o material que fundamenta a fantasia. Possivelmente, devido ao
fato de a atividade criadora encontrar-se em relação direta com a riqueza e a
variedade de experiências acumuladas pelo homem.
Em
busca de meu vocabulário plástico, de 2010 até a presente data, passei a
compilar imagens que, de alguma maneira, me tocavam ou chamavam minha a atenção,
a fim de construir e de solidificar o meu próprio universo. A estas imagens
denominarei “mapa iconográfico”, tal qual descreve Metzler (2011, p.120): “bombardeio-me de imagens, seja folheando
livros, seja consultando as que coleciono da internet. Às vezes passo dias
olhando compulsivamente e nada acontece (...).”
Nessa construção de meu mapa
iconográfico, transitei por inúmeras áreas e visualidades: literatura, cinema,
ilustração, design, moda, teatro,
criação de figurino, dança, fotografia, além, por evidente, das artes plásticas
propriamente ditas, como pintura, desenho e gravuras. A respeito de como se dá
essa construção de linguagem entre os artistas, Oliveira (1996, p. 122) também relatou
suas percepções a partir das entrevistas que fez com os gravadores Arnaldo
Bataglini, Cláudio Mubarac, Ermelindo Nadin, Luis Armando Bagolin, Marco Buti, Mário
Gruber e Renina Katz.
Este canal de
percepções não está restrito ao campo visual, mas à memória de todos os
sentidos do corpo agem sobre a matéria. Imagens e recordações de fatos há muito
passados, instantes imediatamente percebidos e a manipulação da técnica que
encharcam os olhos do artista, são por assim dizer, armazenados no corpo e,
quando solicitados, submergidas que estão por outras imagens, veem à tona
impregnadas de sentidos impossíveis de serem separadas.
Além disso, Salles (1998, p.88) também
afirma que o processo criativo deve ser observado sob o ponto de vista de sua
continuidade, pois coloca os gestos criadores em uma cadeia de relações,
estreitamente ligadas, em que esboços, anotações, filmes assistidos, cenas
relembradas, livros anotados, tudo tem o mesmo valor para o pesquisador
interessado em apreender o ato criador. Assim, fui gradativamente construindo este
universo, ou melhor, dizendo, meu mapa iconográfico, que hoje me vejo
mergulhada e que ora o apresento.
Concomitantemente a esta etapa em que compilei
centenas de imagens para meu “mapa iconográfico”, também registrei, em cinco
cadernos, todas as ideias e impressões que foram surgindo no período. São
escritos, rabiscos e alguns poemas que contêm grande carga emotiva. A respeito
da utilidade dessas anotações, vejamos o que diz estudioso do assunto:
Estes cadernos
de notas que faço habitualmente, (...) não são obras de arte, mas registros
dessa individualidade, uma espécie de circunscrição de imagens que por alguma
razão me tocaram. (...). Nesta tarefa de unir o que antes não era unido, tenho a pretensão de,
sentado à minha mesa com uma tesoura na mão, embarcar desarmado na descoberta
do mundo.
(BARAVELLI, 1991, apud SALLES, 1998, p. 124)
Ao
iniciar a disciplina de Ateliê II, selecionei, para apresentação inicial, alguns
destes desenhos, com seus respectivos poemas, contidos em meus diários. Todos
feitos em papel de cor creme, em grafite, de diferentes gradações. Nesta fase,
alguns desenhos apresentavam cor em apenas alguns pontos “estratégicos” da
imagem. Esta cor, para mim, seria a representação, quase literal, da dor que
estivera sentindo no momento em que o desenho fora executado. As imagens possuíam
os cantos arredondados, lembrando cartões antigos (Figura 3).
Outra característica que se repetia
muito durante esta fase eram as molduras e arabescos, feitos a bico-de-pena, em
torno da figura (mais uma inspiração dos cartões antigos), ora circunscritos ao
espaço do desenho, ora o invadindo. Estas últimas, segundo professor
Maravalhas, atrapalhavam a leitura da imagem ).
No
entanto, por ocasião desta apresentação inicial, foram feitas críticas
relevantes: os arabescos, por vezes, ficavam imperfeitos, uma vez que eram
feitos a mão e com o bico de pena. Além disso, como se agregavam poemas a esses
desenhos (escritos em caligrafia elaborada), estaria havendo prejuízo à leitura
dos desenhos propriamente ditos ).
Portanto, ambas as tentativas de criar
molduras elaboradas, seja usando apenas arabescos, seja usando a própria
caligrafia para compô-la, foram frustradas. Mas, com a ajuda dos colegas e do
professor Nelson, pude constatar que, daquela forma, o texto atrapalhava a leitura
da imagem: seria preciso repensar o uso do texto juntamente com a imagem. Além
disso, fui aconselhada a trabalhar mais o meu desenho, destacando mais os tons
de cinza e preto, bem como a experimentar outros papéis, outros traços, enfim,
já que se tratava de desenhos retirados de meus diários de artista.
Após
esta primeira apresentação, segui refletindo sobre o texto juntamente com a
imagem, de forma que aquele não a prejudicasse, bem como outras técnicas para
melhorar meu desenho. Para solucionar o
problema do texto com a imagem, resolvi confeccionar uma espécie de scrapbook, ou álbum, contendo diversas
páginas decoradas com arabescos (estas, porém, compradas em papelaria) onde
ficavam os desenhos .
Entre
as páginas, intercalei papel vegetal delicado, em que os textos-poemas foram
escritos, sobrepondo-se, assim, à imagem. A intenção era a de proporcionar ao
público um suporte que lembrasse os meus diários .
No
entanto, esta foi mais uma tentativa frustrada de unir os poemas com as
imagens, pois se constatou, nesta segunda apresentação, que as imagens “desapareceram”
em meio a tantas informações. A partir das críticas dos colegas e do professor,
resolvi abolir todos estes elementos “acessórios” aos meus desenhos, deixando
de lado os arabescos, tanto em forma de moldura decorativa, quanto em forma de
caligrafia. Da mesma forma, aboli também o texto ou poema. A partir de então,
passei a me concentrar exclusivamente à criação da imagem.
Estas críticas foram imensamente
valiosas para meu processo criativo, pois me fizeram perceber o quanto
precisava focar o trabalho no desenho, a fim de passar a mensagem desejada, sem
que precisasse usar de outros subterfúgios, de tal forma que a imagem pudesse “falar
por si”. Não sem motivos, o gravador Mário Gruber ensina que “a obra tem que se
impor por ela mesma” (OLIVEIRA, 1996, p. 91). Após sucessivas experiências,
dei-me conta, enfim, do significado de tal ensinamento.
Simbologias – Construindo a
Linguagem
“Tomando
em sua mão algumas sobras do mundo, o homem pode inventar um novo mundo que é
todo dele. A arte começa pela transmutação e continua pela metamorfose.”
Focillon
A
partir destas questões levantadas pelo professor Nelson e pelos colegas em
relação à junção de texto e imagem, como subterfúgio, do uso de elementos
decorativos, como as molduras de arabescos, bem como a busca por um desenho
melhor elaborado, passei por um crucial processo de reflexão e amadurecimento.
Somando-se a isso, intensifiquei a coleta de imagens e referências, como
inspiração para clarificar a minha própria obra.
A partir dessas reflexões, fui percebendo que muitos daqueles desenhos
antigos continham, em si, muita força, já que se tratava de imagens do meu
inconsciente. Poderiam, portanto, servir de base para trabalhos futuros, em calcogravura,
por exemplo. Além disso, também notei que, nas imagens, havia alguns “símbolos”
que se repetiam nos meus desenhos. Assim, fui buscar mais imagens, em livros e
na internet, que pudessem enriquecer
esse “arsenal” de signos: fotografias, ilustrações de objetos, utensílios e
coisas de nosso cotidiano e até animais e insetos, que faziam sentido nesse
contexto de construção de um universo próprio. Então, fui me apropriando dessas
imagens, que, posteriormente, vieram a compor o que hoje é meu repertório
plástico e, conseqüentemente, fazem parte de minha linguagem.
São simbologias,
formas de representações plásticas
de tudo aquilo que povoa minha mente. O antropólogo francês Gilbert Durand (1988,
apud SANT’ANNA; PATRÃO, s/d, p. 1) define símbolo como sendo a “epifania de um
mistério”. Além dele, Baudelaire, o
famoso teórico de arte francês do início século XX, disse o seguinte a respeito
dos símbolos: “todo universo visível é apenas um armazém de imagens e signos, a
que a imaginação tem de digerir e transformar” (CHIPP, 1996, p. 46).
Dessa forma, diante do verdadeiro mundo que
se descortinava, procurei explorar as duplicidades, as “antagonias” do tema
escolhido, ou seja: interessa-me que em minha obra a beleza “conviva”,
pacificamente, com a feiura, da mesma forma que com a repulsa; ou que a
singeleza apareça lado a lado com o grotesco; que a melancolia, da mesma forma,
seja pareada com a fantasia.
A partir de então, o tema, em si, deixou
de ser minha preocupação e passei a perseguir, unicamente, a minha identidade
ou linguagem enquanto artista, o que
Suassuna (1975, p.266) chama de forma: “é ela que faz com que distingamos no
meio de muitas obras de vários artistas aparentados, aquela marca pessoal que o
diferencia de todos”, acrescentando, ainda, que, no campo da forma, a única
regra soberana deve ser aquela ditada pela intuição e pela imaginação do
próprio artista.
Além de Suassuna, Gullar diz o
seguinte sobre a linguagem artística: “a linguagem na arte não seria uma
tentativa de explicação do mundo, mas de assimilação de seu enigma.
Transformando em linguagem pictórica, o mundo (...)”. E, acrescenta, dizendo que
a linguagem não seria apenas as imagens que o artista utiliza, mas,
independentemente da função figurativa, também a cor, a luz, a linha, a
textura, a transparência, etc. Todos estes elementos, diz ele, participam da
linguagem pictórica como outros tantos valores semânticos, integrados, portanto
na expressão estética, sendo parte do tecido significativo da obra.
A partir dai, podemos deduzir que a concepção
artística se realiza concomitantemente em vários planos. Desde a sua concepção,
definição, tema e/ou assunto, até o jogo de luz e sombra, cor e não cor,
texturas, planos, linhas, materiais e técnicas que irão seguir ou desaparecer
ao longo do caminho, para fazer surgir a obra final. Não há dúvidas de que cada
etapa da trajetória percorrida pelo artista até alcançar a sua própria
linguagem é de extrema importância, não só para sua autoafirmação, mas para
qualidade da obra, pois a confluência de todos esses fatores, somados ao tempo
necessário para o amadurecimento das ideias, bem como à larga pesquisa e
reflexão sobre a obra, tornam-se “visíveis” ao público no instante da
contemplação da obra de arte. Uma obra bem refletida por seu criador é capaz de
ressoar no público e de gerar uma série de questionamentos.
Ferreira
Gullar afirma, ainda, que a realização da obra de arte abre sempre a
possibilidade de uma ampliação do universo significativo do artista, ou seja, a
linguagem contém a capacidade de sempre gerar significados novos. Marcel
Duchamp designou isso de “coeficiente artístico”, ou seja, seria uma relação aritmética entre aquilo que permanece
inexpressivo na obra, embora intencionado pelo artista, e aquilo que é expresso
não intencionalmente (apud BATTCOCK,
2004).
Pude
perceber esse “coeficiente artístico” durante a apresentação de minha obra (Figura
8), em que cada pessoa que a observou (colegas, professores, familiares, amigos)
relatou uma percepção e uma interpretação diferente em relação à obra. Muitas
até impensadas por mim no instante da criação, ao menos conscientemente.
Considero-a, portanto, a minha melhor criação, pois creio que há muito a ser
desvendado, não só pelo público, mas também por mim.
Segundo
Oliveira (1996, p.26), “o repertório simbólico acumulado pela história pode
servir ao artista, sendo este capacitado para percebê-lo. O artista não cria
símbolos, dele extrai uma leitura que coincide com uma imagem mental, uma
lembrança, uma sensação, um acaso.” No caso desta obra citada acima, ela
reflete uma sensação corriqueira: a vontade de pendurar as pernas em um cabide
depois de um dia cheio, a fim de expulsar a dor, deixando sobre um confortável
divã (espaço em que habitualmente se costuma refletir questões existenciais) apenas
o resto do corpo e da mente, deixando livre o pensamento, representado pela
cabeça de polvo.
Outro
exemplo do uso dessas simbologias em minha obra é o cabide-gaiola (Figura 9), do
qual se trata de uma nítida representação da sensação de impotência e
aprisionamento que o ser humano experimenta diante da dor física. E esse significado
ganha ainda mais força quando se percebe que esta gaiola ocupa o lugar das
pernas da menina. Além disso, a personagem é uma bailarina, cujo penteado
lembra um ninho de pássaros, com seus galhos enfiados, mas o pássaro está ausente.
A referência para este penteado foi a moda do século XVII, em que as damas da
sociedade usavam este tipo de penteado como manifestação de poder
aristocrático. Além disso, a moça se encontra seminua, vestida apenas com o
chamado “Tu-tu”, ou saia do ballet, e
um rufo no pescoço. Os seios estão a mostra e a mão sobre o rosto denotam certa
fragilidade ou sensação de vergonha. Além disso, seu tronco está todo perfurado
com anilhas, por onde cruzam delicadas fitas, como se fosse mero adorno de seu
figurino.
É
possível também perceber objetos perfuro-cortantes em outras obras, como anzóis,
arames-farpados, pregos, espinhos (Figuras 10 e 11). Tudo isso aparece em minha
obra na intenção de apenas reorganizar e decodificar aquilo que estava
submergido em meu interior. “O artista reorganiza este vasto repertório unindo
a isto uma percepção voltada para a sua visão de mundo. Ai está representando o
papel do artista como criador de vocábulos e decodificador de símbolos”, diz Oliveira
(1996, p 122).
No
entanto, não pretendo com isso impor ao público esta mesma leitura, ou
decodificação. Pelo contrário, encanta-me o fato da obra conter o seu mistério,
gerar certa inquietação e até mesmo curiosidade no observador. Eis ai, mais uma
vez, o coeficiente artístico de Duchamp:
A
realização da obra abre sempre a possibilidade de uma ampliação desse universo
significativo. E isso é uma característica das linguagens: Elas contêm
potencialmente a capacidade de gerar significados novos. (...) Isso ocorre por
que dentro desse universo, se cria sua própria linguagem, seus próprios limites
em função dos quais as tensões “vocabulares” geram significado nos outros. Do
contrário a obra seria “acadêmica”, simples uso mecânico, burocrático da
linguagem pictórica existente (....)é por construir uma linguagem que a pintura
faculta ao artista possibilidades antes insuspeitadas de atuar sobre a imagem do mundo e de, metaforicamente, transformá-la,
recriá-la. Ao fazê-lo o artista se constrói a si mesmo, objetiva seu mundo
imaginário e o torna socialmente atuante. Isso ocorre por que a linguagem
possibilita não apenas a descoberta dos significados nela inerentes, como
também o acúmulo de experiências fundadora de sentido. (OLIVEIRA, 1996, p. 127)
Meus
símbolos ora aparecem como representação da dor física, gerando alguma tensão, como
no caso dos objetos perfuro-cortantes ou cordas, ora aparecem apenas para
representar alguma sensação psíquica, na forma de bichos. Como exemplo do primeiro caso, cito a gravura das
cordas que puxam o corpo da
bailarina e da mulher em todas as direções (Figuras 12 e 13) ou, no caso da linha
que desce do teto, em que carrega um grosseiro
anzol do qual perfura as costas da moça, curvada ao chão em posição fetal
(Figura 10, acima), ou, então, como na Figura 14 em que uma faca aparece encravada na cabeça de uma singela moça vestida com rufos. No
entanto, ela posa, elegantemente, para o retrato, indiferentemente à dor que supostamente
estaria sentindo.
Além dos objetos, há também muitos bichos.
Alguns são realistas, como no caso da aranha caranguejeira que aparece na Figura
15. Já outros foram apenas inspirados em animais que existem na natureza, porém
recriados, a fim de dar um toque fantástico à pintura, como é o caso da
taturana que aparece na Figura 16.
Isso
também se repete na imagem (Figura 11, acima) em que as lesmas (bicho do qual
considero o mais asqueroso) ocupam o lugar de flores, adornando o chapéu da
moça de semblante melancólico. Nesta mesma gravura é possível observar outro
objeto pontiagudo que se repete em meus trabalhos: o prego. Aqui, eles aparecem
perfurando o corpo da menina, no entanto, é como se fizessem parte de seu
figurino à moda do século XIX. Ela, por sua vez, se mostra indiferente à
suposta dor que estes lhe causariam.
Em todos os três casos, os animais, apesar de
serem peçonhentos e/ou nojentos, estão postos nas cabeças das moças tal como um
adereço ou um chapéu feminino à moda antiga (referência no século XIX). Cabe ressaltar, aqui, que todos os rostos ou
corpos representados são frutos de minha imaginação, não se trata, portanto, de
retratos ou de autorretratos. Procuro com isso, recriar meus próprios “ideais
de beleza” e levantar
questionamentos acerca disso, despertando a curiosidade no público, já que as
expressões faciais dos personagens, em todos os casos, não condizem com o
desconforto, dor ou medo que, de fato, sentiriam se estivessem em uma situação
real.
Além
desses animais asquerosos, por vezes, também
aparecem alguns seres alados, como a libélula que pousa sobre a faca da Figura
13, acima, ou os pássaros que aparecem na Figura 10, acima. Em ambos os casos,
eles estão livres e apenas repousam na cena. Já na Figura 9, acima, há apenas a
sugestão de que o seu ninho é no cabelo da personagem, mas ele está ausente. Estes
seres alados, em especial, o pássaro, representam-me uma forte carga simbólica,
ressaltando-se que todos os símbolos aqui explorados tem alguma conexão com as sensações
por mim sentidas diante da dor.
Somando-se
a isso, cabe também chamar a atenção para o formato oval que adotei para representar
todas as figuras. Tanto as pinturas em pastel quanto as gravuras, todas estão
contidas, aprisionadas, dentro de uma elipse, com exceção da pintura representada
na Figura 15, em que troquei a elipse pelo formato de uma fechadura.
A
referência para esse tipo de formado foi a rudimentar fotografia do início do
século XX, quando o formato oval ou arredondado decorria do uso da prata para a
formação das imagens. Em relação às medidas adotadas nos trabalhos, houve uma
maior variação especialmente nas pinturas em pastel em função unicamente do caráter
de experimentação, uma vez que, nesta fase, ainda não tinha clareza do melhor
tamanho a se adotar.
Já
em relação às calcogravuras, apesar de, até então, sempre ter optado por
medidas maiores, como 15x15cm ou 10x10cm, neste conjunto de obras preferi usar
medidas reduzidas, mesmo sabendo que tal decisão iria aumentar ainda mais a
complexidade exigida em todas as etapas do processo de criação, gravação e
impressão da gravura em metal. As gravuras têm, em média, 10x6,5cm, igualmente,
em formato oval.
Ao
contrário disso, agradei-me mais trabalhar com a medida A3 para os trabalhos em
pastel, considerando que julgo desconfortável trabalhar os detalhes da imagem usando
um papel muito grande, como, por exemplo, o A2 usado na pintura representada na
Figura 15. O contrário também ocorre, ou seja, percebi que o nível apurado de
detalhamento quase realístico que busco, especialmente na pintura em pastel,
comprometeu-se quando usei a medida A4.
A Materialidade da Imagem: O Pó e o
Óleo.
“Creio
que você só pode ter um discurso sobre seu trabalho se ele é decorrência dos
acontecimentos da sua própria vida. Por isso antes de falar de técnica deve-se
falar de intenção da imagem. A escolha de certo meio, por afinidade, leva ao
domínio do material e da técnica.”
Ermelindo Jardim
A respeito da materialidade adotada, elegi,
por afinidade, a calcogravura (ou gravura em metal) e a pintura em pastel a seco.
Para criação das gravuras, em muitos casos, aproveitei alguns dos desenhos, feitos
a grafite – apresentados na primeira exposição em sala de aula – como projetos.
Obviamente que foi necessário repensar a respeito da luz e das sobras, da mesma
forma que nas tonalidades de cinzas, pretos e brancos da imagem. Exemplo disso
são as gravuras representadas nas Figuras 12 e 13.
Sobre
o uso do desenho como projeto para gravuras, o gravador Mário Gruber diz que,
ao tentarmos definir o espaço no desenho, é indubitável recair-se na
lei objetiva comentada por Cezanne que diz “ ‘tudo que é visível apóia-se em
duas leis, na visão: a lei dos contrastes e a lei das passagens’. A lei do
contraste diz: ‘tudo que determina um plano é o ângulo de incisão, onde um lado
é escuro e outro é claro’.” (OLIVEIRA, 1996, p. 86).
Deduz-se que isso nada mais é do que a luz e a sombra
buscados na gravura, por exemplo.
Em
contrapartida, Gruber acrescenta que, ao fazer-se um ponto em uma superfície,
ele só se torna visível porque há uma borda escura e uma clara. A lei das
superfície diz que se ampliarmos um ponto branco, veremos que o branco não é totalmente branco, pois não
existe esta uniformidade teoricamente perfeita. A superfície tem uma série de
nuances, que um olho apurado é capaz de perceber uma serie de gradações tonais.
Tudo o que é visível aos olhos está inserido nestas duas leis. O desenho, segundo
Gruber, é próprio para traduzir certas coisas que o homem elaborará mais tarde.
No processo de execução das gravuras, utilizei
diversas técnicas, tanto as indiretas (água-forte, relevo seco e água-tinta)
como as diretas (ponta seca, buril e maneira negra, sendo esta inacabada).
Especificamente em relação à água-tinta, procurei experimentar outros métodos
pouco tradicionais além do já conhecido, usando o pó de breu. Nestes
experimentos, usei tinta aquarela em tubo, pasta de nanquim com açúcar e betume,
pasta de pó de gelatina com açúcar, sal grosso e sal fino. Todas as técnicas
foram usadas tanto individual quanto conjuntamente, na mesma chapa, de acordo
com o que se pretendia alcançar na imagem. E, ainda, entre as duas categorias
(diretas e indiretas), pode-se citar a técnica francesa denominada Chine à collé, que nada mais é do que a
colagem de papel colorido sobre um determinado ponto da imagem que se deseja
dar cor. Esta técnica foi usada nas Figuras 17, 18 e 19.
Já na pintura em pastel a seco, utilizei
tanto lápis (para detalhes) quanto bastões (para áreas maiores), sobre papel
Mi-Teintes ou papel de aquarela de diferentes gramaturas e grãos.
Relacionando as palavras de Gruber com estas
duas abordagens técnicas – gravura em metal e pintura em pastel –, pode-se
dizer que a pintura é feita de superfícies tonais, já a gravura é feita de
linhas. Ambas, no entanto, se prestam de maneira complementar à tradução de meu
imaginário. Além disso, o uso destas duas abordagens também se justifica pelo
fato de que matéria é tudo aquilo de que é feita a obra e aquilo que auxilia o
artista a dar corpo a sua obra. Portanto, o pó e o óleo, a superfície e a linha,
ou seja, o pastel e a gravura se complementam, dialogam entre si, no meu fazer
artístico.
Segundo a gravadora Fayga
Ostrower (1978, apud SALLES, 1998, p.
69), “cada materialidade abrange certas possibilidades de ação e outras
tantas impossibilidades. Se as vemos como libertadora para o curso criador,
devem ser reconhecidas também como orientadoras, pois dentro das limitações,
através delas, é que surgem sugestões para se prosseguir um trabalho e mesmo
ampliá-lo em direções novas.” É dessa
forma que vejo a gravura em metal e a pintura a pastel: tudo aquilo que se
torna inviável de executar em uma, torna-se possível fazê-lo por meio da outra
técnica, havendo, assim, a complementariedade recíproca.
Isso
ocorre não apenas no que se refere ao fazer artístico, mas, também, na
linguagem. A calcogravura possibilita, por exemplo, explorar a imagem, usando
apenas linhas, sob a ausência de cores. A partir desta imagem linear chego ao preto,
ao branco e às gradações de cinzas. Interessa-me que as presenças da luz e da
sombra se deem de forma intensa, dramática. Além disso, agrada-me muito a prática do
ofício. Esta parte “mais modesta” da arte, segundo Ariano Suassuna, porém de
extrema importância na confecção da gravura. “Nesse campo, as
regras são dogmáticas, universais, válidas e indiscutíveis para todos os
artistas” (SUASSUNA, 1975), mas, que, quando interiorizado e apreendido
verdadeiramente, o artista tem a impressão de “esquecê-lo” no momento da
criação, sem tornar-se prisioneiro do ofício.
Gruber, mais uma vez, traduziu, com maestria,
o que sinto em relação à gravura: “a gravura não perdoa, sempre foi para mim um
laboratório de denúncia. Tinha de ser pequena, e preto e branco. Os pretos de
Rembrandt são inatingíveis até hoje.” (OLIVEIRA, 1996, p. 88). A
gravura, por ser também considerada um ofício, exige do artista extrema
disciplina e persistência para alcançar os “pretos inatingíveis”, por exemplo.
Além disso, ela exige uma reflexão prévia, a fim de saber exatamente onde se
deve buscar a luz ou a sombra que darão expressão à obra.
No entanto há vezes em que a gravura fala a
sua “língua própria”. Inúmeras vezes, o artista se depara com o acaso, com o
erro. E nesta hora é preciso ter sabedoria para assimilá-lo e assumi-lo na
imagem. Isso muitas vezes gera outra imagem, ainda mais interessante do que
aquela projetada anteriormente. O que para muitos é considerado um transtorno
desagradável, para mim, é o que mais me encanta na gravura em metal.
A cor na pintura – não que seja impossível
explorar a cor na gravura, como é o caso da técnica de chine a collé ou, simplesmente, a impressão em cores – e a
superfície criadas com o pastel me possibilitam explorar detalhes e expressões
que na gravura ficariam extremamente “duras”, se realizados apenas com linhas
ou mesmo com a água-tinta (que possibilita certa superfície). Exemplo disso são
as expressões faciais, a pele e os olhos, trabalhados minuciosamente, beirando o
realismo, que busco explorar na pintura em pastel.
Na gravura, porém, tal nível de detalhes e
delicadeza tonal é praticamente impraticável, pois o acaso tem um importante
papel no resultado final da imagem. A esse respeito, o gravador Marco Buti assevera:
Acho muito
delicada essa transposição do mental para o material. Você deve encontrar um
meio para uma detrminda imagem se concretizar.Chego a pensar na adequação do
papel e da tinta, que grau de aderência esta tinta, que gerou aderência esta
tinta terá sobre a superfície da chapa, que luz esta gravura precisa.Tudo isso
tem que estar bem dosado:é estrutural e significativo para mim. É algo que
exige um rigor extremo:você tem que pensar em absolutamente tudo, não há meio
termo.(...). No entanto a imagem que surge é sempre inesperada. Apesar de
projetada, não pode ser determinada de antemão. (apud OLIVEIRA, 1996, p. 64-65).
Na
pintura em pastel, a técnica que uso para buscar essa delicadeza tonal é o
esfumado, usando os dedos, cotonetes ou esfuminhos. Isso me possibilita no caso
dos retratos, aproximar-me bem mais de um rosto realista, embora a imagem seja
completamente fantástica e irreal (Figuras 8, 9, 14 e 15). Gosto também de finalizar
a imagem com pequenos toques de cor, aqui e ali. No entanto, ambas partem
sempre de um desenho ou esboço feito a lápis, projetados previamente, para
serem explorados nesta ou naquela técnica específica.
Como
já disse, apesar de parecerem linguagens distintas, para mim, ambas se
completam. Tudo o que se mostra “resistente” na gravura, na pintura em pastel
torna-se maleável e vice-versa. Nas ilustrativas palavras de Miró
(1989, p. 32 apud SALLES, 1998, p. 71),
“o que me impulsiona é dominar essa resistência” e, segundo Kurosawa
(1990, p. 252, apud SALLES, 1998, p. 69), “esse
contato com os limites da matéria faz parte do processo de conhecimento da
matéria. Cada matéria, assim pede comportamento e disciplina específicos.”
Creio que os dizeres de ambos os autores resumem tudo o que busco com esta série de obras, de materialidades diferentes.
O Fantástico
“As imagens da fantasia prestam também como
linguagem interior a nossos sentimentos, selecionando determinados elementos da
realidade e combinando-os de tal maneira que responda a nosso estado interior
de ânimo.”
Akal
A fantasia permeia a minha obra, desde a
sua gênese, nos diários de artista. Os desenhos em grafite feitos durante o
exercício proposto pelo professor Maravalhas já continham esta característica,
mesmo que de maneira rudimentar. Creio que esta seja a melhor maneira de
expressar a dor – temática tão ambígua e de difícil compreensão – sem que
pareça didático ou que se recaia em vitimização, o que definitivamente não é o
meu objetivo.
Durante este processo de desenvolvimento
de linguagem, enquanto buscava referências iconográficas, pude constatar que
minhas obras, especialmente as pinturas em pastel, encontram grande afinidade
com o Realismo Fantástico, ou Realismo Mágico. Além disso, também pude perceber
que fantasia é capaz de proporcionar inumeráveis interpretações, convidando o
público a imergir na obra e, com isso, gerar certa ressonância nele.
Ao observar a obra fantástica, o
observador é compelido a um verdadeiro “mergulho” em seu interior, e
conseqüentemente, no interior da mente de seu criador. Não há dúvidas de que fantasia
é capaz de proporcionar ao observador da obra impressões tão profundas, levando-o
à reflexão e à própria interpretação.
Em relação à interpretação da obra, Pastore
(2009, p. 23) afirma ser esta uma interpretação psicanalítica e que é sabido que
ela não é apenas a revelação de um sentido oculto, mas a criação, pela dupla de
um sentido ausente e a invenção de um sentido que permaneceu em sofrimento.
“Criar é abrir descontinuidades no fluxo da linguagem, proporcionando o
assombro e instaurando uma imagem inédita possível, uma significação inédita
possível.”
É
como se o público participasse ativamente da obra fantástica, atribuindo-as
novo significado e desvendando os seus mistérios. E é justamente este misto de
fascínio e mistério que me fez desenvolver minhas obras nesta linguagem. René
Magrite, artista surrealista e um dos precursores da Arte Fantástica, também
exalta este mistério necessário à obra de arte, conforme evidencia a célebre
frase a ele atribuída: “a arte evoca o mistério sem o qual o mundo não existiria”.
Além dele, Bachelard (1988, apud SALLES, 1998, p. 91), também se referiu à Arte Fantástica, mais
especificamente, ao artista que a produz, com as seguintes palavras: “o artista,
nessa perspectiva, está sendo visto como um explorador da existência. Formas e
cores reais são absorvidas pelo mundo imaginário”.
O Realismo Fantástico começou na segunda
metade do século XX, primeiramente, entre os escritores latino-americanos, como
José Saramago e J.Borges. Surgiram então, grandes expoentes como o americano
Edgar Allan Poe. Apesar de a Arte Fantástica possuir algumas semelhanças com o
Surrealismo – o onirismo, por exemplo – não se pode afirmar que compactuavam
das mesmas ideias. Da mesma forma que não se pode afirmar que o Realismo
Fantástico fora um movimento dentro da história da arte, uma vez que não
possuíam manifestos, não tinham cunho social-político e, ainda, os pintores
trabalhavam de maneira individual.
O Realismo Fantástico perdura até os
dias atuais, em todas as Artes. É possível notar um grande número de pintores,
espalhados pelo mundo, como David Bowers, Frank Kortan, Elie Tiunine, Andrew
Gonzalez, Bruno di Maio, Rob Gonsalvez, Michael Parkes, Dominic Rose, Julie
Heffernan, Travis Lowie, Istevan Sandorf.
Segundo Schenberg (s/d), “o Realismo Fantástico é uma das formas mais eficazes de apreensão do mundo
contemporâneo, e de sua crítica no campo da arte. Encontramo-lo no cinema de
Felini, Resnais e Antonioni, assim como nos bons filmes de ficção científica e
na literatura de J. Borges e outros escritores.” Além disso, segundo esse autor, o Realismo Fantástico
leva em conta o fato de que a consciência constitui apenas uma pequena parte da
vida mental e que pode haver caminhos de apreensão da realidade através do
inconsciente, tal qual acontecera em meu processo criativo.
De fato, somente se tornou possível
encontrar o “meu universo” a partir do momento em que dei voz ao meu
inconsciente, permitindo que ele me indicasse o caminho. No entanto, para Freud
o artista deve sempre encontrar o caminho de retorno à realidade, pois ao dar
forma aos seus devaneios, possibilita que outros compartilhem do prazer que se
pode obter das fantasias inconscientes ali contidas. E faz a seguinte
afirmação: “a existência de um caminho de retorno da fantasia à realidade –
isto é, o caminho da arte.” (FREUD, 1916-1917, apud PASTORE, 2009, p. 22)
Para Concluir
“O
processo criador é um percurso com um objetivo a atingir, um mistério a
penetrar.”
Pablo Picasso
Neste trabalho busquei fazer um apanhado de
todos os fatos que considero relevantes ao desenvolvimento de minha linguagem
artística. Para isso precisei fazer um verdadeiro mergulho altruísta, buscando
encontrar-me, refletir e compreender todo esse processo, além de pesquisar
muito, a fim de encontrar teóricos e estudiosos que melhor explicassem cada
passo de meu processo criativo.
O primeiro passo para a construção dessa
linguagem, foi a “descoberta” do tema: a dor. Assunto por mim tantas vezes
evitado devido aos fatos já apresentados. No entanto, considero esta uma etapa
bastante relevante, justamente por ser o ponto de partida para o
desenvolvimento desse trabalho prático, que ora apresento. Ademais, essa
experiência favoreceu não só um incrível autoconhecimento, mas também a
observação dos outros em relação à temática escolhida.
Foi
a partir dessas sensações percebidas por mim que minha linguagem passou a ser
evidenciada. Nesta fase, precisei abandonar-me um pouco, com o intuito de
encontrar o público e criar nele alguma ressonância. Pois, entendo que, uma vez
alcançada a clareza a respeito da intencionalidade da obra, ela é capaz de
sustentar-se. Dessa forma, o tema passou a ter pouca relevância, passei a
considerar apenas as “antagonias” e duplicidades que ele me favorecia refletir.
Interesso-me pelo fato de a obra causar estranheza ou curiosidade no público e,
para isso, elegi a poética “fantástica” do imaginário para melhor expressar-me.
Por afinidade, escolhi as técnicas de
pintura em pastel seco e a gravura em metal, pois entendo que há grande
completude entre elas, não só em meu fazer artístico, mas também enquanto
linguagem. Portanto, levando-se em conta todos os passos aqui apresentados, que
compreendem este processo de construção da linguagem artística, não tenho
dúvidas de que foi, e continuará sendo, uma experiência extremamente
enriquecedora, não apenas no que tange a mim enquanto artista, mas, também, enquanto
pessoa.
Creio que esse processo se perpetuará em minha
vida, visto que entendo que o artista necessita ora encontrar-se, ora
perder-se, sucessivas vezes. Assim, esta
pesquisa que aqui se inicia continuará ocupando minha mente, por longos dias,
ainda. Afinal, como bem diz May (1975), “criar é querer ser imortal”.
Referências
BACHELARD, G. A poética do devaneio, 1988. In:
SALLES, C. A. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo:
Fapesp/Annablume, 1998.
BARAVELLI, L. P.
Sobre os meus cadernos de nota,
1991. In: SALLES, C. A. Gesto inacabado: processo de criação artística. São
Paulo: Fapesp/Annablume, 1998.
CHIPP, H. Teorias da Arte Moderna. São Paulo:
Martins Fontes, 1996.
DUCHAMP, M. O
Ato Criador. In: BATTCOCK, G. (Org.). A
Nova Arte. São Paulo: Perspectiva, 2004. cap. 5.
DURAND, G. A imaginação simbólica, 1988. In:
SANT’ANNA, A. C. V.; PATRÃO, R. A. Mitologia e identidade artística: um estudo
da presença de mitemas heroicos no discurso de Paulo Pasta e da crítica
contemporânea. Ceart/Udesc: s/d. Disponível em: <http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume2/numero2/plasticas/Vargas%20-%20Renata.pdf>.
Acesso em 28 jan. 2013.
FIBROMIALGIA – APSEN FARMACÊUTICA. Artigos: Diagnóstico. São Paulo: 2012
[?]. Disponível em: <http://www.fibromialgia.com.br/novosite/index.php?modulo=medicos_artigos&id_mat=25>.
Acesso em 10 jan.2013.
FLEMING, M. Dor sem nome. Pensar o sofrimento.
Porto: Afrontamento, 2003.
FREUD, S. O Inconsciente, 1915. In: PASTORE, J.
A. D. Apresentação: A Arte do Inconsciente. Ciência e Cultura, São Paulo, v.
61, n. 2, p. 20-24, 2009.
FREUD, S. Os caminhos da formação dos sintomas,
1916-1917. In: PASTORE, J. A. D. Apresentação: A Arte do Inconsciente. Ciência
e Cultura, São Paulo, v. 61, n. 2, p. 20-24, 2009.
KUROSAWA, A. Relato autobiográfico, 1990. In:
SALLES, C. A. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo:
Fapesp/Annablume, 1998.
METZLER, F. O
que justifica a sua escolha pela pintura tradicional ?. In: COSTA, M. L.
(Cur.). Pintura reprojetada.
Brasília: Tribunal de Contas da União, 2011.
MIRÓ, J. A cor
dos meus sonhos, 1980. . In: SALLES, C. A. Gesto inacabado: processo de criação
artística. São Paulo: Fapesp/Annablume, 1998.
OLIVEIRA, M. C.
D. A gravura e o processo de criação da
imagem: um olhar no espelho. 1996. 182 f. Dissertação (Mestrado em
Educação). Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.
OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação,
1978. In: SALLES, C. A. Gesto inacabado: processo de criação artística. São
Paulo: Fapesp/Annablume, 1998.
PASTORE, J. A.
D. Apresentação: A Arte do Inconsciente. Ciência
e Cultura, São Paulo, v. 61, n. 2, p. 20-24, 2009.
RILKE, J. M. Cartas a um jovem poeta, 1980. In:
SALLES, C. A. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Fapesp/Annablume,
1998.
SCHENBERG, M. Realismo Mágico, Realismo Fantástico e
Surrealismo. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/nucleos/cms/index.php?option=com_content&view=article&id=73:2010-02-24-16-27-35&catid=17:artigos-de-mario-shenberg&Itemid=15>.
Acesso em 4 fev.2013.
SUASSUNA, A. Iniciação à estética. Recife:
Universidade Federal de Pernambuco: 1975.
STEINBERG, L. A
Arte Contemporânea e a Situação do seu Público. In: BATTCOCK, G. (Org.). A Nova Arte. São Paulo: Perspectiva,
2004. cap. 20.
VYGOTSKY, L. I. Pensamento e linguagem, 1987. In:
SALLES, C. A. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Fapesp/Annablume,
1998.
Referências Iconográficas
Realismo
Fantástico
David Bowvers
Frank Kortan
Elie Tiunine
Andreu Gonzalez
Bruno di Maio
Mc Escher
Brad Noble
Michel Parkes
Dominic Rose
Larissa Moraes
Julieheffernan
Travis Lwie
Istvan Sandof
Jake Baddeley
Steven Kenni
Surrealismo
Salvador Dali
René Magritte
Frida Khalo
Ann Bachelier
Coltt Calascione
Tiffany Bozic
Jabaddeley
Georgio de
Chirico
Surrealismo –
Fotógrafos
Joyce Tenneson
Clarence Laughlin
Natalie Show
Man Ray
Paul Mitchell
Gravadores
Rambrandt
Gustavo Doré
Rubens Matuk
Carlos Scliar
Clênio Biancheti
Iberê Camargo
Babinski
Carlos Oswald
Fayga Ostrower
Ruben Grillo
Goya
Rubens
Mellon
Düran
Gruber
Grassmann
Evandro Carlos
Jardim
Ilustradores
Brian Froud
Rébecca Dautremer
Benjamin Lacombe
Zdenco Basic
Nicoletta Cecolli
Courtney Brims
David Ho
Kelys Smith
Nadia Flower
Nicole Guice
Niroot Puttapipat
Pauline Baynes
Beatrix Potter
Toon Hertz
Estilista
Elsa Schiaparelli
Jhon Galliano
Mascha Deva
Samuel Cirnanski
Jun Nakao
Estilista - Chapéus
Philip Treacy
Stephen Jones
Isabelle Blow
Pip Hackett
Gina Foster
Louise Mariette
Fion A. Morgan
Sophie Beale Millinery
Mark T. Burke
Justine Bradly Will
Emmayeo
Beth Morgan
Figurinista
Eiko Ishioka
Carlos Miele
Alexandra Byrme
Sandy Powel
Collen Atwood
Michael O’Connor
Milena Canonero
Nigila Dickson
Jill Sander
Edith Read
Jeanny Beavon
Outros Artistas
Narazeth Pacheco
Becc Winnell
Edgard Degas
Mark Ryden
Nikki Salk
Amy Flurry
Peihong Huang
Robert Ingpen
Jun Nakao
Xiao Feng
Velasquez
George Grosz
Flávia Metzler
Mucha
Gustav Klimt
0 comentários:
Postar um comentário